quarta-feira, 10 de outubro de 2007

testemunho

é raro vermos aquilo em que ficamos. a nossa obra. mais ou menos reconhecida. dizia o ruy belo que só havia ficado nos filhos e nos versos. parece-me uma boa proposição. nos filhos que não tenho. nos versos que não sei escrever.

sunset on me

a luz do fim da tarde na cidade (não me canso de dizer) é sempre uma réstia de verão em mim. uma luz amarela por entre os prédios, enquanto volto a casa. está tudo em silêncio. arrumo duas ou três coisas. finjo que estou ocupado. finjo que é útil estar por aqui. que vale a pena estar por aqui. oculto a angústia de quem foi perdendo por aí o coração em partes. que deixou a vida e a não pode fazer regressar. depois anoitece. anoitece sempre, todos os dias. então deixo a música falar por mim. vozes que sofrem, talvez. vozes que sofrem em mim.

da filosofia

onde deixámos a filosofia? a capacidade de pensar criticamente deu lugar a uma enxurrada de lugares-comuns. a nossa vida foi transformada num imenso lugar-comum. que nada acrescenta. rumo ao nada. aqui vamos nós.

estrada da circunvalação, serpa

não percebes que a dor que eu sinto não tem nada a ver contigo. é apenas a minha incapacidade de ser melhor. de não saber como poderia ser melhor. de não saber bem por onde ir. de continuar a ser a mesma criança assustada quando descobriu que do outro lado do muro não havia apenas oliveiras mas uma montanha de lixo. tanto lixo. tanta coisa que não serve para nada. um obstáculo atrás de outro obstáculo. uma mistura de ódio com a alegria de ser uma árvore que cresce sem pedir autorização. que não tem dono nem senhor. e também percebo que fazer os outros sofrer é mau demais. é ser lixo. tanto lixo.