Sabes, não encontro Deus em lado nenhum
Mas gosto das doses fatais da poesia, dos venenos naturais
A que me obriga a solidão.
Tempos houveram em que habitávamos o sol
E eu sentia-me capaz, com um relâmpago na língua, de vociferar
De esclarecer, de experimentar a longitude dos outros
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
Gosto do abismo precário da flor em gestação, da noite
Com seus gestos de cinza primitiva e o vácuo: sémen obscuro,
E o sentimento de poder acabar com isto e com tudo.
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
Dizem que me deito sempre do mesmo lado, no lado profano,
No leito diagonal da precariedade e as lágrimas que verto
Não passam de cenas frias de um filme inacabado.
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
Não, nunca senti deus na luz nervosa, na assembleia matutina
Dos pássaros, tão pouco me levanto às alucinações diurnas
Às imagens folclóricas do tempo.
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
Sujo meus olhos de poeira nativa, de encontros inesperados,
Aqui todos habitamos a mesma rua vazia
Com os mesmos utensílios de escavar o silêncio e a dor.
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
A poesia é mais uma forma de dar forma ao invisível,
O paraíso silábico, o medo filiado no peito. Perturba-me
A noite, o transe das metáforas, o metal dos astros caídos
E tudo me acompanha na sede do engano e da ilusão…
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta.
Ricardo Pereira
terça-feira, 9 de setembro de 2008
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